O quarto canal, obra da ficcionista, jornalista e editora Clara Arreguy, é um romance de claridades.
A história se inicia com o relato das dores lancinantes em um dente cujas raízes já tinham sido tratadas. A procura de um quarto canal para o dente vinte e cinco, cuja existência não é mais que uma mera possibilidade, é a única alternativa à extração. As tentativas de superação do medo do tratamento, das dores físicas nas gengivas e das sucessivas frustrações com os resultados, atravessam a narrativa de Fabrícia, e vão entrar em consonância com as frustrações, medos e dores experimentados em sua vida pessoal e, principalmente, profissional.
A professora Fabrícia, de imensa consciência pedagógica, reflete sobre questões caras à educação, hoje, em nosso país. Imbuída de grandes esperanças para seus alunos, e de uma ética vinculada a propósitos – ou seriam sonhos? – de justiça social, a personagem é a porta-voz de um discurso de claridades, tão necessário em tempos de névoas pesadas e densas.
A narradora esmiúça as particularidades do cotidiano de estudantes e professores, e a dialética com instituições de ensino públicas e particulares. Elucida certas vulnerabilidades e atesta como processos de autoconhecimento e de reconhecimento de lugar no mundo, às vezes, podem ser muito duros: “Você sabe que vive numa sociedade adoecida quando as pessoas inteligentes, cultas e bem preparadas são malsucedidas porque escolheram a profissão mais nobres de todas, o magistério”(p.45)
Para a personagem Fabrícia, a família, o pai e as avós são fontes de um saber de mundo transmitido com carinho e segurança. O namoro com o professor Nassim Nadim acrescenta complementos identitários ao quadro. Entretanto, todos eles são parte de um passado de outra configuração: “famílias, estudantes e professores crescemos naquele caldeirão de democracia e inclusão, com direito a nos sentirmos vivenciando o real poder da educação transformadora” (p.60).
A atualidade do cotidiano escolar, para Fabrícia, se faz entre constatações de alguns comportamentos dos estudantes, que ela recusa: “Poucos tinham coragem de se expor. O hábito de se esconder, de se alienar, estava entranhado em praticamente cada um deles. E quando eu digo alienação, não falo só de política, de falta de consciência de classe – por mais que eu tentasse mostrar a eles as origens dos problemas. Alienação, ali, era praticamente de tudo. Apatia com a vida, com o futuro, que eles imaginavam não ter, ou que sequer ousavam cogitar ter. (p. 53)
Fabrícia, porém, segue sua trajetória defendendo o direito do aluno ao conhecimento e as relações fraternas nas escolas; que haja liberdade de expressão e de cátedra, assim como o respeito e a tolerância; embora existam as “disputas de narrativas” e um “ preço a pagar”.
Mirando um “quarto canal” – em tese, existente, mas invisível a olho nu, Fabrícia segue sonhando com escolas inclusivas em todos os sentidos, e frequentadas pelas artes.
Na história de Clara Arreguy, a personagem Fabrícia, pressionada pelas circunstâncias, foi praticamente obrigada a abandonar a profissão de mestra. Deixou aos leitores, porém, questões inquietantes sobre as quais refletir: “Onde viemos parar? O que nos trouxe até aqui? Até onde vamos no torvelinho desse descaminho? “(p.160)
O quarto canal projeta clareza sobre um cenário algo confuso na educação, e pode reacender esperanças, para que outras condutas aconteçam.

ARREGUY, Clara. O quarto canal. Brasília, DF: Outubro Edições, 2020.

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