Quando a manhã de domingo cresceu no entorno do Arena Independência, eu estava fazendo uma caminhada pelo bairro. Pude ouvir um vozerio aumentando para os lados do estádio. além dos rumores dos fregueses em vai e vem nas padarias e mercearias. Na minha alienação futebolística, entendi que o tal vozerio era provocado pelo jogo de futebol que, afinal, estava acontecendo com a presença parcial das torcidas, depois de muitos e longos meses.

Segui pela rua Pitangui, me aproximando do campo, e notei que as vozes que vinham lá de dentro, soavam de modo agradável, com um tom de exata alegria. Que curioso, pensei. Em geral, não é o que ocorre durante as partidas, quando expressões ásperas, hostis ou raivosas se alternam com exclamações de surpresa, ou alívio, todas sempre exaltadas.

O jogo estava no começo. Por certo, ninguém tinha crenças ou esperanças frustradas ainda, talvez fosse por isso. De todo modo, nesses tempos de pandemia e de outros infortúnios, o direito ao contentamento não anda na pauta nossa de todo dia. Naquele momento, porém,  o público do futebol me pareceu, simplesmente, contente.

Contornei a rua São Felipe, onde outras vozes dominavam, revelando uma expectativa diferente: bares e restaurantes aguardavam a freguesia para o almoço ao final do jogo!

A conversa ali estava animada, todos também pareciam alegres; certamente pela reativação do comércio de alimentação em dias de jogos. O pessoal estava atento, à frente das bancadas voltadas para a rua. Os donos e seus auxiliares tinham tudo preparado para receber e alimentar bem as torcidas, as do contra e as a favor; que fome tem quem vence, e quem perde a disputa também!

Parecia até que estava acontecendo um concurso de feijão tropeiro mineiro! Em todos os bares, estava uma visão maravilhosa de pequenas montanhas de feijão tropeiro, com todos os torresmos crocantes, e linguiças, e carne frita, e ovos fritos, e couve picada.

Com tudo que se tem direito, ali estava brilhando o preferido de nove entre dez brasileiros, para um dia de sol e esportes.

Bem, é preciso fazer um aparte, pois é verdade que essa “estatística” não considera as pessoas que não ingerem carne ou ovo, ou mesmo as que simplesmente não gostam desse prato. A preferência, então, seria de sete, ou oito, entre dez. De todo modo, a oferta de feijão tropeiro era ali muito maior do que de qualquer outro quitute e sanduíche, evidência da alta demanda.

Uma cena espetacular de se ver ao vivo, ainda mais com a contribuição de algo impossível de se capturar com as palavras, o aroma!

O cheiro inconfundível do feijão tropeiro espalhado no ar provocava uma vontade imediata de se ter uma porção daquelas no prato! O difícil era escolher entre tantas opções. Contive o meu apetite por mais um tempo – afinal, o jogo ainda não terminara – e segui observando aquele recorte da paisagem urbana de BH.

Logo, logo, meu pensamento saiu divagando. Pensei nas mãos que tinham cozinhado os pratos, em geral, de mulheres de larga experiência na cozinha, mas também de homens que, felizmente, tinham descoberto que é bom preparar alimentos. E pensei em como acontece o ensinamento das receitas do dia a dia, de um bom feijão tropeiro mineiro, por exemplo, pleno de sustança.

Claro que é na intimidade das cozinhas das famílias, entre as preferências de mais ou menos alho, ou sal; ou mais ou menos cheiro verde; de menos ou mais farinha, uma pimentinha, quem sabe? – onde o aprendizado começa.

Certamente, uma receita ajuda, mas, não dispensa os detalhes responsáveis por aqueles sabores já aprovados na tradição familiar. São sabores peculiares que, por sua vez, vêm de tradições de grupos da sociedade, e se estendem de volta para eles, tal como aconteceu com o feijão tropeiro! Cultura, afinal.

Existe um ingrediente na preparação dos pratos de sucesso, que não se deixa medir em gramas, xícaras ou colheres, mas que é muito importante: a vontade de causar aquela expressão de felicidade no rosto de quem está comendo!

E foi o que me aconteceu naquela manhã ao saborear o feijão tropeiro! Em qual dos bares me servi, isso não vou dizer.

France Gripp – 04/10/21

 

8 thoughts on “A felicidade do feijão tropeiro

  1. Tânia Maria Gonçalves Moreira says:

    Amiga, até senti vontade de ir à Rua Pitangui uma manhã de domingo, só pra comer um feijão tropeiro, o tradicional, com torresmo, linguiça e ‘aquela’ couve picadinha, prato de encher os olhos, o olfato e o paladar! Mesinha na calçada… Um sentimento bom, de reconfortante felicidade!

  2. José Veloso Filho says:

    Texto leve e despretensioso, que me lembrou uma antiga crônica que li do mestre Rubem Braga. E estimulado pelo apelo gastronômico da estória aproveitei o ensejo para traçar um maravilhoso tropeiro no almoço,. Tropeiro esse que me reservo o direito de manter em sigilo a procedência, tal qual a escritora(rs).

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